As crónicas do Lynx

Uma colecção de pequenas crónicas dedicadas a uma grande paixão de sempre: Viver essa maravilhosa aventura que é o dia-a-dia!

domingo, janeiro 06, 2008

Meia-Maratona de Caches Urbanas

O desafio? Fazer 28 caches urbanas em Lisboa, sem o recurso a meios mecânicos. Ou seja, fazer caches que se estendiam do Campo Grande ao topo da colina de São Jorge, sempre a correr!


Como já escrevi anteriormente, não gosto por aí além de caches urbanas. Mas elas estão lá, existem, e, do ponto de vista histórico, de aprender algo mais sobre locais por onde passamos todos os dias, ou de descobrir sítios novos e interessantes que estão muitas vezes ao virar da esquina, são uma mais-valia.


Mas confesso que não gosto de andar de carro por aí, no meio do trânsito, a abrir a porta e a procurar por micro-caches, muitas vezes mais pequenas que uma caixa de rolo fotográfico. Por isso, tinha que tornar a sua 'caça' mais interessante - juntando-lhe um desafio físico! Foi assim que surgiu a ideia de fazer uma 'Meia-Maratona de Caches Urbana'! Com um percurso que, a olho, se aproximasse da distância de uma 'meia, servindo-me para treinar para (eventualmente) um dia tentar fazer uma, mas que fosse menos puxada física e psicologicamente (porque, pelo meio do percurso, ia procurar caches, permitindo-me parar fisicamente, mas também ter objectivos concretos pelo meio do trajecto, em lugar de apenas um a 21 kms de distância...).


O Sábado tinha amanhecido chuvoso e cinzento, com uma persistente chuva molha-tolos. Confesso que hesitei muito (muito mesmo!), antes de entrar no carro, vestido de calças de corrida e uma t-shirt, para desafiar a chuva e ir até ao local de início. No trajecto da auto-estrada, ainda cheguei em pensar em desistir duas ou três vezes, mas, a resposta era sempre um 'vai até Lisboa e logo vês como está lá'! Foi assim que estacionei no Campo Grande, a cerca de 300 metros do Museu da Cidade, onde estava a primeira cache do percurso. O tempo estava razoável (naqueles minutos, tinha parado de chover) e, por isso, decidi que ia mesmo ser o dia de ir fazer esta aventura! Sai do carro, verifiquei a minha mochila (um pequeno CamelBack sem bolsa de água, que já não usava há 5 anos, e que me permitiu perceber que, afinal, cinco anos de musculação tinham tido os seus resultados...), onde levava a carteira, uma t-shirt suplente e chaves do carro, liguei o GPS com as primeiras coordenadas inseridas, liguei o cronómetro (eram 10h05) e... comecei a correr.


Primeiro objectivo: a 'Cache da Cidade', uma multi toda ela dentro dos jardins (abertos ao público) do Museu da Cidade, um daqueles locais que pouca gente conhece, mas que, quem visitou, garante que vale a pena. Entrei, fui as pontos designados para recolher os dados para as contas da cache final. O jardim estava deserta, e, com o meu aspecto algo bizarro (quem é que iria correr para dentro dos jardins, de t-shirt num dia de chuva e com uma ridícula mochila minúscula?), chamei a atenção da funcionária encarregue da limpeza do espaço. Por sorte, consegui aproveitar uns minutos em que a senhora estava a falar com uma amiga que por lá apareceu para, num claro golpe de sorte, olhar para um local e perceber que era ali (apesar das dificuldades que o meu GPS estava a ter para estabilizar o sinal). Gotcha! Vamos para a próxima.


Próximo objectivo, fazer as caches dos 4 cinemas (ou ex-cinemas) que se aninham ali à volta da Avenida de Roma. Para isso, atravessei a correr o Campo Grande de uma ponta à outra, usufruindo do privilégio de correr sózinho (estava a chuviscar, não há muita gente suficientemente louca para vir passear num sábado de manhã à chuva) num semi-parque urbana, ainda silencioso com poucos carros a passar à volta. Ainda deu para sorrir quando atravessei o lago do Campo Grande e me lembrei de como há muitos e muitos anos atrás, vim para aqui passear de barco com um amigo meu, mas sobretudo com duas miúdas que tínhamos conhecido na noite anterior - extraordinariamente, consegui perder os remos do barco no meio do lago... Foi hilariante!! Deu também para dizer adeus à senhora gorda do Botero que, dantes, escondia uma missão impossível para os geocachers... E, depois, foi subir a Av Estados Unidos da América e encontrar a 'Quarteto', usufruindo da calma manhã de Sábado. Mais uns 300 metros e uns pingos em cima, e estava na 'King', o mítico cinema (onde, nomeadamente, fui ver o 'Abril' do Nano Moretti com a Catarina há 'milhares de anos atrás). Li a dica (levava-as impressas para garantir a discrição e a rapidez na busca) e pensei que o caldo estava entornado - a porta indicada estava fechada! Seria necessário entrar lá dentro? Fiz uma manobra para procurar num remotamente possível esconderijo e... a 'danadinha' caí-me ao pés. Gotcha! Depois desta, não encontrei a 'Roma', nem a 'Londres', e foi tempo de rumar ao Campo Pequeno.


Esta deu muito gozo! Estava a chover com mais força e já estava encharcado, mas foi olhar para o ponto 0 (certinho!) e perceber o que era a cache! Agarrá-la, felicitando a temerosidade e engenho do owner e fazer o log, mesmo em frente ao sítio onde tinha ido ver o concerto dos 'Xutos' há um mês. Estava visto que ia ter que fazer esta cache 'à minha maneira', a correr, com um tempo nada agradável para este género de coisas e uma certa dose de insanidade!


Next, mais um cinema. O Nimas - que eu nunca pensei que ainda existisse e onde nunca vim. Foi também uma cache rápida - correr pelo meio do trânsito inexistente, perceber onde estava no meio da chuva, esperar que não estivesse sinal vermelho (por causa dos carros parados mesmo ao lado do esconderijo) e já está!

Próximo destino, os Jardins da Gulbenkian, onde estava uma cache acabadinha de estrear, a 'Bernas's First Cache'. A caminho desta, cruzei os 5kms de corrida, a escassos metros desse paraíso no meio da Cidade que são estes jardins projectados pelo Gonçalo Ribeiro Telles, um espaço onde o stress fica à porta, onde o Mundo se revela verde, belo e fluído, onde me sinto sempre bem! Curiosamente, a cache levou-me a um recanto do jardim que desconhecia! Um grande obrigado ao owner!


Era altura de virar para trás e ir fazer uma das pernadas mais longas deste desafio. Cruzar tudo novamente para ir até à Alameda D. Afonso Henriques, para fazer a 'Império' e a 'BG02 - Fonte Luminosa'. Foram 2 kms sempre a correr, com direito a subir a suave inclinação da colina onde se encontra o Técnico, e uma molha desgraçada! Ainda deu para passar pela Casa da Moeda (não estavam a distribuir amostras, pena) e por um ou outro sítio obscuro, mas que, de dia, não passa de uma vulgar rua. O 'Império' tinha uma senhora a fazer limpezas mesmo na área que pensava ser o ponto 0, portanto, ala até à Fonte Luminosa. Aqui, confesso, não consegui subir as escadas todas a correr (fracote...), mas fui como um míssil até à cache - estava escondida no mesmo local onde já tinha estado uma outra!!! Depois foi descer até cá abaixo e pensar que a IURD não é uma seita religiosa, mas sim a arqui-inimiga dos cinemas, tendo transformado um local tão bonito numa descaracterizada igreja. É pena! Mesmo muita pena!


Continuei a correr, agora até ao Saldanha, para fazer o périplo das caches da Avenida Fontes Pereira de Melo, mas, também para comer qualquer coisa (umas massas, alimento calórico e leve, de digestão fácil), já ao fim de 2h15 de 'prova'. Almoço despachado em 15 minutos, e, já debaixo de uma chuvada bem intensa, daquelas que levavam as pessoas, todas abrigadas debaixo de chapéus de chuva abertos, a olharem de lado para o maluco encharcado de t-shirt, continuar para a 'O homem que diz adeus' (dedicada áquele senhor de idade avançada que diz adeus aos carros que por ali passam por volta das 11 da noite) e a 'The secret'. Busca inglória em ambas! Se, na primeira, fiquei mesmo completamente 'à nora', na segunda, após 30 segundos de busca, levanto os olhos e... descubro um casal abrigado da chuva sob o telheiro do Fórum Picoas, a olhar directamente para mim e a perguntarem-se "O que é que este tipo quer?" Foi a altura de correr defronte ao "sítio onde costumo rir até me virem lágrimas aos olhos" (Teatro Villaret) e parar na esquina do Palácio SottoMayor - a cache está excelente, bem discreta mas funcional, e o palácio continua fabulosamente bonito por fora!


Descia agora a principal avenida da cidade, com os seus amplos espaços e movimento (já era uma da tarde), belíssimos edíficios arte nova e fealdades de betão dos anos 80 e 90 misturadas num estranhíssimo 'pout-pourri'. Destino: o mais mítico cinema da cidade, o São Jorge! Cache feita em 2 segundos (sem gente devido à chuva, é mais fácil!) e, de repente, de nenhures, uma pergunta "Então, encontrou a cache?". Era um geocacher que ainda não conhecia, o pmarques99. Apresentações feitas e logbook assinado, e resolvemos ir fazer a 'Estação do Rossio' juntos. A andar, sem correr (soube-me bem, já estava a ficar para o cansado!). Lá chegados, percebemos onde é que ela estaria mas... era impossível retirá-la! O porteiro do Hotel Avenida Palace continuamente a olhar para nós e um vendedor de chapéus de chuva a 2 passos da cache e já desconfiado de nós, diziam-nos que seria um risco desnecessário para a cache. Paciência!


Fui tentar fazer a 'Passeio Público', uma multi que se extende por toda a Avenida da Liberdade, cujo troço inicial, quando foi inaugurada no final do século XIX, tinha o nome de 'Passeio Público'... Pelo meio, dois episódios curiosos. Uma equipa do recém-extinto Lisboa-Dakar a aproveitar para filmar um 'mini-filme' publicitário na avenida, com todo o aparato da equipa de assistência (aliás, era impressionante o número de pessoas afectas a equipas do Dakar que ontem passeavam pela cidade - a carpir as mágoas e a pensarem o que iam fazer com estas 3 semanas extra de 'vida', mas sem a principal actividade do ano em termos de retorno monetário), e... o encontro com a família da Directora de Vendas da empresa em que trabalho! Um encontro em que eu estava num estado miserável, depois de já ter corrido cerca de 13 kms, à chuva... Enfim! Vamos ver se o assunto é referido amanhã... E, pelo meio, não encontrei a cache!!!


Como não tinha encontrado esta multi, resolvi saltar também a outra que ainda me restava no percurso (a 'Regícidio'). Vou fazer estas num outro dia, mais quente, ou mais descansado e com um polar em cima! Por isso, o objectivo foi cruzar uma série de descidas e subidas, desde o Marquês de Pombal até à 'Colina de Sant'Ana', passando pelo Conde Redondo (com o seu mítico restaurante chinês-marisqueira-karaoke) e o Campo Mártires da Pátria, com tão boas memórias das aulas de alemão no Goethe! Pelo meio, ainda parei para comprar pilhas e água num mini-mercado que encontrei aberto (não estava mesmo à espera!). O meu GPS já indicava bateria fraca (não estavam completamente carregadas, longe disso, quando iniciei o percurso) e eu estava a ficar cansado e a precisar de me hidratar internamente - porque externamente, estava absolutamente ensopado! Foi complicado encontrar esta cache. O meu GPS de mão não tem mapas incorporados, e, por isso, foi bem complicado encontrar o caminho certo por entre o dédalo de ruas e vielas daquela colina.


De seguida, desci até ao Martim Moniz, em busca da 'Salão Lisboa', a última cache de cinemas que ia fazer ontem, recém-inaugurada, e em que desconhecia em absoluto a existência de um antigo cinema naquele local. O Martim Moniz é, definitivamente, um local 'sui generis', transformado em centro de comunidades imigrantes na cidade de Lisboa. Na corrida até esta cache (sim, eu ainda conseguia correr), eram notórias as diversas etnias e nacionalidades, as línguas diferentes que se falavam (desde o crioulo, até às linguas eslavas) e ao maravilhoso cheirinho a uma moamba acabada de fazer! Hmmm! Não foi difícil encontrar a 'nano-cache', e aproveitava para dar aos owners das caches dos cinemas os meus parabéns pelos containers simples e muito bem conseguidos que utilizaram nesta série. Bem jogado!


Próxima paragem, a Sé-Catedral de Lisboa, para ir fazer a 'Catedral'. Deu gozo percorrer as ruazinhas estreitas (e íngremes, aí!) do início daquela encosta, por onde já andei vestido de múmia (um peddy-paper de Natal da empresa, há muitos anos atrás) e, noutra ocasião, com uma 'vontade própria' muito reduzida, apanhado por uma corrente de gente num qualquer Santo António, que nos leva para onde o magote de pessoas está a ir! A Catedral continua impressionante! Bela e robusta, parece capaz de arcar com tudo, de ser eterna, de continuar para sempre com aquele ar de inegável beleza áustera e eterna!


Desci a correr a colina, para ir para junto do rio, onde a 'House of Diamonds' me esperava na... 'Casa dos Bicos'! Esta cache está absolutamente divinal! Para além de contar a história da casa de uma forma simples e organizada, o container (a cache em si) está extraordinariamente fora de série! Gotcha! E só tive pena de não poder levar nenhum diamante dali para fora!


Continuei a correr, agora em direcção à 'Estação de Santa Apolónia', dobrando, nesta altura, as duas dezenas de quilometros! Infelizmente, não encontrei a cache, por isso, subi as ruas dirigindo-me a um dos mais espectaculares e menos visitados monumentos de Lisboa, que domina por completo a paisagem da cidade naquele local! Nunca vou perceber porque razão não recebe o Panteão muito mais gente! É uma igreja verdadeiramente impressionante! Actualmente, e apesar da sua beleza e recente notoriedade (devido à transladação da Amália Rodrigues para este local), continua a estar mais rapidamente na boca das pessoas quando nos referimos a obras públicas... (a expressão 'obras de Santa Engrácia' vem desta 'Igreja de Santa Engrácia' que demorou centenas de anos a construir...)


Seguiram-se 3 caches que não encontrei (e, acabei de perceber agora, uma outra que me esqueci de procurar...), nas colinas do castelo, mas que, no entanto, reforçaram a ideia que estava a andar (já agora, nesta altura deixei de correr, as subidas eram bem íngremes e eu já estava bem cansado...) por uma cidade mágica e que, não é à toa, que os estrangeiros chamam a Lisboa, a "cidade branca", como Tolkien chamou a Minas Tirith. Cada recanto esconde uma beleza e monumentalidade impressionantes!


Faltava-me a última cache, a derradeira. Desci do castelo e, já mais na Baixa, ali para os lados da Rua da Madalena, voltei a correr. O meu derradeiro destino era a 'No Paço do Terreiro', em pleno centro administrativo do país! Uma praça fabulosa, enorme, deserta (!) e com uma cache colocada lá bem no meio, em frente dos edíficios públicos e do seu aparato, com uma 'lata' descomunal! Não foi fácil retirá-la e voltar a colocá-la, controlando sempre as pessoas que passavam, as que esperavam os eléctricos e autocarros, os carros parados nos semáforos, os polícias,... Mas, consegui!


Estava encerrada a 'loja'. Encaminhei-me para a recém-inaugurada estação de metro. O cronómetro marcava 6 horas e 7 minutos. O GPS, 23,5 kms. Tinha acabado de encontrar 17 caches, fazer 9 DNFs e um percurso digno de uma meia-maratona puxadinha, sem problemas físicas (ou quaisquer outros). Estava cansado e encharcado e só me apetecia chegar a casa para tomar um bom banho quente, sentar-me no sofá e beber leite e comer torradas! Estava feliz, por ter cumprido o objectivo que me tinha proposto - é possível fazer caches urbanas da maneira que mais gosto!